Neste sábado (12), celebramos o Dia do Obstetra, uma data dedicada aos profissionais que acompanham as mulheres durante a gestação e o parto. Contudo, uma reportagem especial da Rádio Caxias vai além das tradicionais homenagens. Ela chama atenção para um problema grave que afeta milhares de mulheres no Brasil: a violência obstétrica, uma realidade ainda muito presente no sistema de saúde, tanto público quanto privado.
Famosas como a jornalista Patrícia Poeta, as atrizes Klara Castanho, Carolinie Figueiredo e Juliana Didone, e a influencer Shantal são algumas das mulheres que já passaram por essa violência e, corajosamente, decidiram compartilhar suas histórias. Elas se tornaram vozes de muitas outras que vivem ou viveram situações semelhantes, mas que, muitas vezes, não têm o mesmo espaço para denunciar. A diferença é que essas mulheres são figuras públicas, enquanto a maioria das vítimas sofre em silêncio, muitas vezes sem entender o que aconteceu ou se quer perceber que foi exposta a uma violência.
Relatos de vítimas de violência obstétrica
Izaulina Seefeld, 68 anos, recorda com dor suas experiências de partos ocorridos na década de 1980. Durante o primeiro parto, foi orientada a fazer uma cesárea, mesmo que o procedimento não fosse estritamente necessário. Ela não teve direito de escolher e foi submetida a um atendimento sem o devido esclarecimento. “Naquela época, não deixaram meu marido entrar, e quando minha filha nasceu, eu tive que lidar com as consequências físicas de um parto feito sem o cuidado adequado. Eu sofri muito”, relata. Já no segundo parto, em uma unidade do SUS, Izaulina descreve um ambiente ainda mais desrespeitoso, com procedimentos desnecessários e negligentes. “A enfermeira pressionava minha barriga de forma agressiva, tentando apressar o nascimento. Eu não conseguia nem me sentar depois do parto, os pontos foram feitos errados. Só me recuperei após muito tempo”, afirma, evidenciando a falta de respeito e comunicação durante o atendimento.
Paola Vieira, 29 anos, compartilha uma experiência igualmente traumática. Ela relata que, no momento de seu parto, foi enviada para casa enquanto estava em trabalho de parto e com a bolsa rompida, sem que houvesse o cuidado necessário. “Eu estava com dor intensa e a bolsa já tinha estourado, mas me mandaram embora. Quando voltei ao hospital, minha filha já estava em sofrimento fetal, e fui forçada a passar por procedimentos dolorosos sem explicação. Fui submetida a uma cesárea de emergência”, conta. Mesmo com a sobrevivência da bebê, Paola enfrentou complicações físicas e emocionais. “A amamentação foi um pesadelo, minha filha foi para a incubadora, e só restou leite artificial”, diz Paola, refletindo sobre o impacto profundo que o atendimento negligente teve em sua experiência de parto.
A gravidade da violência obstétrica no Brasil
Os dados sobre a violência obstétrica são alarmantes. Segundo a Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres no Brasil já sofreu algum tipo de violência obstétrica. Pesquisa realizada em 2010, intitulada “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, em parceria com o Sesc, revelou que os tipos mais comuns de violência incluem procedimentos dolorosos sem consentimento, falta de analgesia, gritos e negligência. Já o estudo “Nascer no Brasil”, realizado pela Fiocruz, indicou que 30% das mulheres atendidas em hospitais privados e 45% das atendidas pelo SUS foram vítimas de violência obstétrica.
O que é a violência obstétrica?
A definição de violência obstétrica vem da médica ginecologista e diretora técnica da Unimed Serra Gaúcha, Erica Rosa Salet. Segundo ela, a violência obstétrica pode ocorrer em qualquer uma das fases da gestação: durante o pré-natal, no parto ou no pós-parto. A médica explica que, apesar das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 1996, sobre boas práticas no atendimento ao parto, muitas dessas práticas ainda são adotadas no Brasil, como o uso de procedimentos desnecessários, a falta de informação à paciente, agressões verbais e a falta de respeito pelo seu consentimento. “O corpo da mulher deve ser respeitado, e ela deve ser completamente informada sobre qualquer procedimento que esteja sendo realizado. A intimidação, as agressões verbais ou a negligência também são formas de violência”, alerta a médica.
Onde denunciar a violência obstétrica?
Para as mulheres que enfrentam a violência obstétrica, há formas de buscar apoio e denunciar. As denúncias podem ser feitas diretamente nos hospitais ou serviços de saúde onde a paciente foi atendida, ou em órgãos responsáveis, como as secretarias de saúde municipais, estaduais ou distritais. Além disso, os conselhos de classe, como o Conselho Regional de Medicina (CRM) ou o Conselho Regional de Enfermagem (Coren), também recebem queixas. Para atendimento telefônico, as vítimas podem ligar para a Central de Atendimento à Mulher no número 180 ou para o Disque Saúde no 136.
Diretrizes da Febrasgo para prevenir a violência obstétrica
Em 2019, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) se posicionou sobre a questão, lançando diretrizes para prevenir a violência obstétrica e garantir que a autonomia da mulher seja respeitada. Entre essas diretrizes estão a recomendação de que as pacientes sejam chamadas pelo nome, a possibilidade de acompanhar o parto com pessoas de sua escolha e a internação da paciente apenas quando estiver na fase ativa do trabalho de parto, para evitar intervenções desnecessárias.
A luta contra a violência obstétrica
A violência obstétrica é uma questão urgente que precisa ser discutida de maneira ampla, para garantir que todas as mulheres possam vivenciar o parto com dignidade, respeito e segurança. Embora no Brasil ainda não exista uma legislação federal que defina violência obstétrica, atos como esses são frequentemente enquadrados como lesão corporal e importunação sexual.
O Dia do Obstetra é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre a importância de boas práticas no atendimento ao parto e a necessidade de um cuidado humanizado, em um dos momentos mais delicados e importantes da vida de uma mulher. A luta contra a violência obstétrica precisa ser uma prioridade para que todas as mulheres tenham a chance de viver essa experiência com o respeito e a segurança que merecem.
Exemplos de violência obstétrica
- Episiotomia (corte cirúrgico feito no períneo, a região entre a vagina e o ânus, para facilitar o parto) sem necessidade ou sem informar à mulher;
- Manobra de Kristeller (pressão sobre a barriga da mulher para empurrar o bebê;
- Amarrar a mulher durante o parto ou impedi-la de se movimentar
- Negar anestesia, inclusive, no parto normal;
- Dificultar o aleitamento materno na primeira hora;
- Proibir a entrada do acompanhante escolhido pela mulher.
