As relações entre a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul (OAB-RS) e o Judiciário gaúcho atravessam um momento de tensão. O estopim da crise foi uma manifestação do presidente da OAB-RS, Leonardo Lamachia, que — em artigo publicado na última quinta-feira (10) em jornal de circulação estadual e também em discurso público — usou a expressão “ditadura de toga” para criticar decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). A comparação com atos do regime militar irritou a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), que respondeu com uma nota pública de repúdio (a íntegra da nota você confere no site da Rádio Caxias).
Em entrevista ao Jornal da Caxias desta terça-feira (15), Lamachia reforçou que sua manifestação não foi genérica e nem direcionada a todo o Judiciário, mas sim a decisões específicas do STF que, segundo ele, “violam o devido processo legal e ferem as prerrogativas da advocacia”. O presidente da OAB-RS defendeu-se das críticas e afirmou que a expressão usada tem base histórica e foi cunhada pelo patrono da advocacia brasileira, Rui Barbosa, há cerca de um século.
Segundo Lamachia, a crítica que fez “foi clara, equilibrada e dirigida a algumas decisões do STF”. Pois, a OAB tem “o compromisso institucional de defender o Estado Democrático de Direito e as prerrogativas da advocacia”. O presidente da OAB ainda esclareceu na entrevista que “não há nenhuma comparação com o regime militar (como tentaram colocar).” E que “a crítica está dentro do jogo democrático”.
A manifestação ocorreu na publicação do artigo intitulado “Não à ditadura: nem a do fuzil, nem a da toga” e também reiterada durante o ato comemorativo aos 93 anos da OAB, no Largo dos Açorianos, em Porto Alegre. A Ajuris, no entanto, reagiu com veemência. Em nota, afirmou que a fala do presidente da OAB-RS “ultrapassa os limites do debate institucional e flerta com a deslegitimação do Judiciário”. Segundo a entidade, declarações desse tipo “alimentam o discurso de desconfiança e ameaçam o funcionamento das instituições democráticas”.
Lamachia, por sua vez, sustenta que sua crítica está longe de ser um ataque ao Poder Judiciário como um todo. Ele aponta violações concretas, como a ausência de sustentação oral em julgamentos realizados exclusivamente em plenário virtual pelo STF, e a dificuldade de acesso integral a inquéritos por parte da advocacia.
Apesar do embate com a Ajuris, Lamachia nega que haja divisão interna mesmo na própria advocacia gaúcha sobre o tema e reforçou que a entidade permanece firme na defesa da democracia e do devido processo legal. Segundo o presidente da OAB/RS, a posição da entidade é “apartidária, isenta e orientada pelos princípios constitucionais.” E ressalta que “defender o devido processo legal não é um ataque ao Judiciário, mas uma exigência democrática.
Nota pública: repúdio à declaração do presidente da OAB-RS
A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) reprova a declaração do presidente da OAB-RS que, ao afirmar “Ditadura nunca mais, nem a do fuzil e nem a da toga”, equiparou indevidamente regimes autoritários ao exercício da magistratura.
O repúdio à ditadura deve ser um valor comum a todas as instituições democráticas. No entanto, associar o trabalho dos juízes a práticas autoritárias ignora o papel essencial que a magistratura exerce na garantia das liberdades, na defesa dos direitos fundamentais e na preservação do Estado Democrático de Direito.
Juízas e juízes têm atuado com independência e coragem em momentos cruciais da vida institucional. Por sua vez, a AJURIS, não se exime do papel de representar os interesses da magistratura perante a sociedade, como o fez no ato público em defesa da democracia de janeiro de 2023, quando reuniu lideranças dos Três Poderes do Estado e da sociedade civil, reafirmando o compromisso inegociável com as instituições republicanas.
A crítica construtiva entre instituições é legítima e necessária para o fortalecimento da democracia. No entanto, é fundamental que essas manifestações sejam feitas com responsabilidade e respeito institucional, evitando comparações que deslegitimem o trabalho sério e comprometido da magistratura, especialmente quando baseadas em discursos sensacionalistas ou de apelo midiático.
A AJURIS reafirma seu compromisso com a democracia, com a independência judicial e com o respeito às prerrogativas de todos os operadores do direito — incluindo os advogados —, em um ambiente de civilidade, cooperação institucional e respeito às funções constitucionais de cada Poder de Estado.
Cristiano Vilhalba Flores – Presidente da AJURIS