Família Presser se reuniu no domingo de Páscoa para celebrar a data em novo endereço, após enxurrada inundar a casa deles em maio de 2024 e destruir inúmeras lembranças
A Rádio Caxias retornou à casa de uma das personagens que emocionou os ouvintes em uma reportagem especial sobre as enchentes de maio, em 2024: Maria Elisabeth Casses Presser, de 68 anos. Há quase um ano, as águas cobriram memórias, invadiram histórias e arrastaram sonhos no Rio Grande do Sul, incluindo, aqueles presentes na casa da professora de educação especial. Entre os dias 26 de abril e 7 de maio de 2024, a chuva castigou o estado, especialmente a região central e norte, que registrou volumes históricos de até 800 milímetros em algumas áreas. No dia 5 de maio, o pico da tragédia marcou para sempre o calendário de milhares de famílias gaúchas. Em abril de 2025, lembramos as bodas de papel dessa tragédia — um marco de um ano — que evocam memórias de dor, mas também histórias de superação.
Neste mês de abril, a reportagem acompanhou a celebração de Páscoa da família Presser — uma tradição mantida por gerações, agora símbolo de resistência e fé. Maria Elisabeth disse emocionada que “o significado de união, de amizade, de fé, de carinho… tudo engloba a nossa união, a nossa fé. Isso é o mais importante para nós”. Ao lembrar do período pós-enchente, ela fez um desabafo, dizendo que “foi uma coisa que nos magoou muito, nos traumatizou. Estamos ainda nos preparando para ficar melhor. Mas é isso aí… A gente tem que recomeçar. A gente tem uma família, tem filhos, netos. Precisamos continuar, apesar do sofrimento e da perda. O importante é: estamos vivos.”
Ainda abalada pelas lembranças, ela destacou a dificuldade no processo de reconstrução, criticando a lentidão e a burocracia das ações governamentais. “Graças a Deus, a nossa família conseguiu se reorganizar, mas a gente sabe que muitas outras ainda vivem o desalento de não ter um teto. É doloroso.”
O reencontro da família na Páscoa teve ainda outro valor: a continuidade das tradições religiosas. Maria Elisabeth compartilhou como a ideia de encenar o presépio vivo começou com o incentivo de uma tia freira. “Eu queria algo vivo, que contasse a história, que envolvesse as crianças. E foi assim que nasceu essa tradição, que hoje os netos seguem. Vai passando de geração em geração.”
Tradições que resistem ao tempo e à dor
Pedro Henrique Presser, de 27 anos, sobrinho de Maria Elisabeth, relembrou a época em que interpretava Jesus nas encenações familiares. Para ele, manter a tradição é um ato de resistência num tempo em que muitos perdem os vínculos com suas raízes. Segundo ele, “cada família tem sua cultura. A gente sempre teve uma base cristã muito forte. Acho importante lembrar o verdadeiro significado da Páscoa, não só os ovos de chocolate, mas o simbolismo que está por trás.”
Mesmo com a correria do dia a dia, trabalho, estudos e desafios da vida adulta, ele faz questão de estar presente. Pois, na opinião dele, “família é o mais importante. Claro, amigos e relacionamentos também, mas quem sempre vai estar ali para ti é a família. É algo que a gente precisa preservar.”
Uma fé que se renova
Já Maria Lúcia Ehlers, de 70 anos, também integrante da família e irmã de Maria Elisabeth, ressaltou a importância da religiosidade e da união em datas como Natal e Páscoa. Segundo a aposentada, eles são “uma família católica e essa tradição de rezar, refletir, confraternizar — isso tudo segue. Já reunimos até cinco, seis famílias juntas. E mesmo quando alguém não pode estar, a gente liga, participa de alguma forma. A prioridade sempre foi a família.” Com os olhos marejados, ela refletiu sobre os valores que resistem às mudanças do tempo. Conforme Maria Lúcia, “hoje em dia, o individualismo cresce. Mas nesses momentos, como essa Páscoa após tudo o que passamos, vemos a importância de manter a essência: fé, união e gratidão.”
A reconstrução possível
Um ano depois, a casa de Maria Elisabeth ainda carrega marcas do que aconteceu. A vida, embora retomada, não voltou ao ponto de partida, exigindo que a família mudasse para outro endereço. Mas a força dessa família, que celebrou a ressurreição mesmo após perdas profundas, simboliza o espírito resiliente do povo gaúcho. E, em meio à dor, florescem as certezas: a fé permanece, a família sustenta, e a memória não se apaga. Enquanto o Estado ainda busca soluções para tantos desabrigados e reconstruções inacabadas, famílias como a dos Presser lembram — com lágrimas e sorrisos — que a vida recomeça em pequenos gestos, em reuniões simples, em tradições mantidas com o coração.
Veja imagens da confraternização promovida pela família Presser no domingo de Páscoa