Em 2024, as denúncias de violência política contra mulheres no Brasil aumentaram de forma alarmante: um crescimento de 484% em comparação com o ano anterior. Esse dado veio à tona em um contexto de episódios extremos, como o caso relatado pela ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre cinco candidatas que sofreram tentativas de homicídio ou feminicídio, em um único final de semana em setembro do ano passado. Esses números expõem a crescente violência a que mulheres são submetidas no espaço público, principalmente na política.
Em entrevista para a Rádio Caxias, a promotora de justiça, Ivana Battaglin, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, destacou a importância de desconstruir os mitos e estigmas sobre a violência política de gênero. Segundo ela, o aumento no número de denúncias reflete uma mudança positiva: “O que não tem nome, não existe. Com a tipificação da violência política de gênero no Código Eleitoral, o que antes era invisível agora tem visibilidade. As mulheres estão sendo mais informadas sobre o que estão vivendo e passaram a reconhecer que aquilo não é normal. Isso é violência política de gênero”, afirmou.
A promotora ressaltou ainda que as formas de violência política contra mulheres são variadas e, muitas vezes, sutis. Um exemplo comum ocorre nos parlamentos, onde as mulheres, frequentemente em minoria, são caladas ou ridicularizadas. “É preciso observar como as vozes masculinas se sobrepõem às das mulheres, até mesmo em sessões legislativas. A violência política de gênero não é só física, mas também psicológica e simbólica”, destacou Ivana.
Ela também citou casos de ataques diretos, como a agressão verbal de um vereador que mandou uma colega ir “lavar louça”, uma demonstração clara de que algumas ainda consideram que o lugar da mulher é fora da política. Segundo a promotora, esses comportamentos são reflexos de um sistema patriarcal que subestima a mulher e limita suas escolhas e atuações na sociedade.
“Esses avanços são recentes. O direito ao voto feminino, por exemplo, tem pouco mais de 80 anos. Ainda estamos conquistando nossos direitos, e é fundamental que, mesmo diante das dificuldades e retrocessos, sigamos em frente”, completou Ivana, enfatizando a importância de continuar o debate sobre a violência política de gênero e a construção de uma cultura mais inclusiva e respeitosa.
Ivana também falou sobre a pressão social que recai sobre as mulheres e como isso impacta sua permanência na política. “As mulheres, quando ocupam espaços de poder, enfrentam julgamentos implacáveis. Se são firmes, são chamadas de histéricas. Se têm filhos e estão na política, são criticadas por não estarem em casa. Isso torna muito mais difícil para as mulheres se manterem nesses espaços”, observou.
Com a crescente visibilidade do problema, o Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher está promovendo iniciativas como o projeto “CAO na Estrada”, que busca capacitar profissionais e sensibilizar a sociedade para a questão da violência contra as mulheres em diversas regiões do estado.
A promotora concluiu enfatizando a necessidade de uma mudança cultural profunda: “É fundamental desconstruir os mitos que cercam a violência contra as mulheres. A violência não é uma escolha delas, mas uma consequência de uma cultura violenta que ensina aos homens que a violência é a única forma de resolver conflitos, enquanto impõe às mulheres a submissão”, afirmou.
O aumento das denúncias é um reflexo da conscientização das mulheres sobre seus direitos, mas também um alerta para a urgência de se combater a violência política de gênero e promover um ambiente político mais seguro e igualitário. A luta, como afirmou Ivana, ainda está longe de ser vencida, mas os passos dados até aqui são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa.
Dados
Embora representem 51,5% da população brasileira e 53% do eleitorado, as mulheres ainda ocupam um número muito reduzido de cadeiras nos parlamentos do país: 17,7% na Câmara Federal e 12,3% no Senado. Em termos de eleições municipais, o resultado é ainda mais preocupante: apenas duas mulheres foram eleitas prefeitas entre as 26 capitais brasileiras em 2024. Esse cenário evidencia o cenário desafiador para as mulheres na política brasileira, onde enfrentam barreiras não só culturais, mas também violentas.